sexta-feira, 30 de novembro de 2007

MEIRE e DARLAN



Encara mesmo Darlan, mostra bem desde que idade um cigano tem esse olhar.
Aprendeu a mirar assim com Dona Meire, não foi?
Mulher forte demais, corajosa, pulsante.
Linda dupla, mãe e filho.
Meire é a irmã mais velha de algumas mulheres no acampamanto. Muito ligada à elas tem uma liderança feminina forte no grupo, em relação às irmãs, principalmente.
Viúva de um dos filhos de Seu Francisco, não teve filhos.
Adotou o pequeno Darlan de uma outra cigana, aparentada, logo que esse nasceu.
A foto a seguir é do irmão de Darlan, que conhecemos em 2005 e que não mora mais no mesmo acampamento.
Ele e os pais naturais moram na Bahia, mas de tanto em tanto tempo eles se cruzam.




A Meire está bem presente no filme, suas falas sobre andar e ficar parado, e sobre sonhos.
Darlan, sempre assim, peladinho, pondo de tudo na boca, tudo mesmo.
Sorriso sempre pronto pra espantar qualquer coisa de sua frente, e esse olhar, pra proteger.
Gui César e ele se adotaram, mutuamente, do começo ao fim.
Darlan estava aprendendo as primeiras palavras nesse tempo que ali passamos e Gui para ele era "Seu Zé"...




CRIANÇADA



Crianças...
Como em quase todos lugares novos a que vamos ou tentamos ir, as crianças são anfitriãs ideais para quem as tem como importantes aliados e potenciais amores. Elas não tem muitas barreiras, tem curiosidade e abertura para receber os de fora. No caso dos pequenos ciganos não seria diferente. Foram eles que primeiro nos acolheram. Ensinaram os caminhos no mato, as brincadeiras preferidas, o contar histórias e o pedir pra contar.
Quantas vezes tivemos que repetir as histórias preferidas, "galinha ruiva", "pinóquio", "a estória da figueira", tantas outras inventadas por nós na hora, em duplas ou em trio, trasendo para o conteúdo das narrativas após almoço, na sombra, elementos dali mesmo, deles, de seus pais.
Eram muitas crianças, de variadas idades e durante esses aproximadamente 60 dias que ali ficamos, cada uma foi se personalizando, não só óbviamente sabíamos seus nomes, idades e relações internas no grupo, mas suas formas de pensar, brincar e agir.
Na foto acima, NANDO está ao lado do Guile, à esquerda. Entre as pernas de Julia está SIELMA, com SUENE logo ao lado, apoiada e sorridente.
À direita temos DIDI, com o qual começamos o documentário (anfitrião do filme) e CIÇA.
NANDO, SIELMA E DIDI são irmãos.
Os três são tios de CIÇA.
E todos são primos de SUENE.
Ao fundo nossa barraca, que aguentou muito sol e belas pancadas de chuva. Aprendemos a armar a tenda com eles, mas nos dias de chuva ela balançava que balançava, mas continuava ali, quase intacta.
Na primeira tempestade, homens e mulheres vieram nos ajudar, ensinar a fazer os "regos", escavando dois leitos de rio, um por dentro e um por fora da barraca, para a água ter por onde escoar e não empossar dentro.
Apesar disso, a umidade sempre estava ali, e esse era o maior convite para nossos inquilinos constantes, sapos gigantes entocados no quentinho da cobertura dos equipamentos.
Voltando um pouco às crianças, conforme a intimidade foi crescendo eles vinham nos acordar e não tinham mais limites e esse foi sendo nosso maior desafio com elas, como determinar as horas de brincar e de trabalhar, nosso tempo e privacidade. Exauridos às vezes, não queríamos gritar ou chamar os país, por exemplo, mas nossa didática era sarro pra eles, que pegavam fogo em certos dias. Ai só tinha uma saída mesmo, chamar as ciganas e pedir ajuda...

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

FESTIVAL DE BRASILIA

Nas palavras de nosso correspondente no festival de Brasília: BATISTA FERRAZ

(SOBRE A SESSÃO)



Ontem passou o filme, aqui em Brasilia, o público gostou de verdade, assobios e palmas, nada de estrondoso porque também não é filme de estrondo. A matilha vai indo embora, levando a lenha num pacto silencioso de travessia. É o filme que tem o som mais quietinho, burburinho de molécula... muito barulho nos filmes aqui, às vezes é triste Brasília sem calçadas nem pedestres, mas quando se escapa da cidade planejada, em linha reta, cai-se na amplidão do cerrado, terra vermelha como da comunitária e cachoeiras, olhos d´água.
Depois da sessão vieram pessoas, se disseram emocionadas com o filme, com as palavras que uniram naquele palco, Guile, Gui, Julia, Laura e aquele montão de gente. Guile ofereceu a sessão aos ciganos e a Julia, de longe. Pessoas que cresceram no Nordeste ficaram realmente balançadas, imagens de infância desfilando em rebanho, em vida.
Um dos jurados, ator, nordestino, bonitos olhos de rio, esqueceu da ética e apertou muito firme a mão de Guile, olhou no olho e parecia verdadeiramente agradecido.
O filme é muito importante nessa cidade. Aqui os fluxos tentam ser contidos, não existem pobres morando no plano piloto, não existem ciganos... então os fluxos vão para longe, nas beiras das minas de água, em lugares lindos onde seu Francisco também pararia. Todos dizem que é perigoso ir até a esquina, têm medo das fronteiras... e quantos belos sorrisos também.
Preciso ir pro debate, te escrevo depois.

(SOBRE O DEBATE)



Ai pela internet quem quiser procurar pode achar algumas palavras mal escritas ou ouvidos que não querem ouvir, boca pra repetir, reproduzir e assim ao longo... O Glauber está na moda aqui, tem filme do Joel Pizzini sobre ele, e quanto o coração desse homem também não bateu, como os nossos? Ele encontrou um jeito de não parar, segundo o Calil entrou num beco sem saída, talvez por não ter ido aos atalhos que levam aos rios, ao frescor dos outros assoprando nossa cara.
A mãe do Glauber está aqui, também olhou no olho de Guile com seu sorriso de vó e disse : "Andar de jegue é bom!".
Um radialista segurou também Guile pelo braço e disse da importância do filme. Disse que tinha certeza que a gente era Cigano, queria saber sobre você, sobre a Bósnia, sobre os projetos.
O debate :
O primeiro cara que começou a falar era um careca atrofiado, crítico também, engolindo as palavras, mascando azedume, também era nordestino, e disse que ficou extremamente incomodado com as crianças fazendo macaquices, ficou incomodado com os "jumentos" aparecendo o tempo todo, disse que qualquer criança faz isso pra câmera, é o primeiro impulso.
O Gui estava vibrante e Guile, bem calmo, deram belas respostas, sem pressa sem agressão, e disseram sobre as histórias que contavam às crianças, as estórias que elas contavam... O cara não parecia ouvir. É bem provável que não tenha vivido essa liberdade no nordeste dele, não montou em jegue, não saiu pra rua com medo de ser roubado pelo cigano.
Então um homem bonito, ar de água corrente, cabelos para trás, testa elegante, olhar com dois pontos de brilho, começou a falar. Nos arrepiamos inteiros. Ele disse que foi encantamento puro, ficou enfeitiçado do começo ao fim, com vontade de estar naquela fogueira, de comer aquela galinha, erguer aquelas crianças aos céus, ouvir os conselhos do sábio Francisco... nunca vi alguém falando tão bonito do filme. Sentiu tudo, tudo que já passava por ele e encontrou caminhos para passar pelo filme, mudar de natureza, fazer novo espaço-tempo. Não analisou nada, foi convidado, enfeitiçado. O Gui sabia quem era ele, eu não. Edgar Navarro, cineasta Baiano das antigas, não sei se vimos filmes dele, mas é coisa boa. Ele falou do Super 8, do Som, da Bahia, dos ciganos da infância dele desfilando em vida na tela... eu falei que nós éramos os meninos, em infância tardia e presente, correndo atrás do comboio cigano e que desta vez, nossos pais não iriam pedir pra gente voltar, ao contrário, diriam vão meus amores, vão correndo e voltem com cobre e poeira na pele.
A mediadora do debate era uma tapada, disse que os ciganos são aculturados porque cantavam música sertaneja. Então eu deslanchei, com calma, dizendo que "aculturação" só no ponto de vista do sedentário, de quem vê o rio correr estando na margem, não se deixa levar pelas águas que correm. Disse que não existe música cigana, que ela pode procurar uma música "pura" e não vai achar. O que existe é uma musicalidade potente, correndo no sangue desse povo, fazendo suas vozes e instrumentos vibrar nas músicas dos lugares por onde passam (PORQUE NÃO PASSAM SEM SE DEIXAR MODIFICAR SIM PELO ENTORNO, SEM MUDAR DE NATUREZA NOS ENCONTROS NUM DUPLO PODER DE AFETAR E SER AFETADO) só que vibrando, por dentro destas músicas (forró, tango, Jazz) velocidades e lentidões de quem está sempre dizendo adeus o chegando de fora. Acabam, muitas vezes, tocando até melhor que a população local, desenraizam a música, sem ignorá-la, sem esmagá-la, porque sabem também senti-la no coração, com sinceridade na voz e no olhar.
Certo. terminado o debate veio uma senhora, vestido florido alegre, cabelos brancos tipo a Marilda, uns olhos parecidos com os do Batista. Ela disse : "Olha, eu não falei nada porque não sei falar assim, na frente de tanta gente. Mas foi o filme mais lindo que eu vi nesses tempos, que mais disse e mostrou o que eu precisava ouvir". Ela mora na chapada dos veadeiros, se afastou um pouco da capital, medita sim, se prepara nas águas sim e demonstrava nos olhos a alegria com que vivia a idade que tinha. A maneira como encontrava, com a idade que tinha, com as formas que possuía, de vibrar intensidades de aurora, fluxo de cachoeira.
Sim, falaram no debate da precariedade do filme. A Verinha levantou a mão e disse que é o trabalho mais elaborado do festival. Só que é um trabalho de molécula, não de estrondo.
Julia, as pessoas têm medo sim de sair da terra natal, ou de procurar uma terra natal em outro lugar, conectar as duas, traçar rotas, mapas móveis sobre um território fixo. Tenho lido os textos do Deleuze sobre os nômades, a história sempre fez vista grossa para sua importância, suas espadas, suas descobertas, seus remédios. A territorialização é confortável, meu bem. Brasília é a territorialização projetada. As fugas aqui têm de ser operadas com muita coragem, tudo conspira para ficar como está. Esta cidade foi projetada para abrigar o poder. E quanta gente linda, quantas águas correntes a gente vê se pega um ônibus, sai do plano piloto, e vai na justamente na direção em que pessoas do festival ou funcionários do hotel dizem ser perigosa.
Não importa o que digam, temos que andar. Continuamos indo, não é mesmo?
-O QUE OS CIGANOS ENSINAM DE MELHOR?
-Nos vemos do outro lado, rapaz...

terça-feira, 27 de novembro de 2007

O VELHO E A VELHA



Seu Francisco e Maria Ferraz, primos legítimos, casados há mais de 40 anos.
Seu Francisco é o chefe do grupo de ciganos, ele coloca as cartas para as pessoas das cidades por onde passam e é muito respeitado pela família e pelas autoridades das cidades do sertão. Montado em seu jegue, ele vai até as casas das pessoas que não querem ou não podem vir se consultar no próprio acampamento.
Maria, querida mulher sempre de cócoras, no fogo, com sua fala mansa e seu cheiro de flor e alecrim.
Ele é o sábio homem cigano que lê as linhas na mão, mas Maria mantém a vida, maria faz o fogo, a comida. Maria amamentou todos os marmanjos que vemos ali, quase todos são seus filhos.
Filhos e netos e bisnetos.
Os dois se dão muito bem, se gostam.
Francisco respeita maria.
E toda tarde quando o sol está se pondo,
os dois dividem o cirraguinho de corda,
feito por ele, aceso por ela.
Que saudades do velho e da velha.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

DENTE DE LEITE


Sim, vou saldar o brilho dos olhos
da pequena cigana Sielma.
Encanto agarrado às saias coloridas.
Amiga pequena e sincera,
doçura no piscar de olhos.
Se amanhã, na partida,
derramarmos algumas lágrimas,
é nossa conduta proteger o amor
que nos uniu no primeiro instante.
Se fosses minha filhinha, te levaria comigo,
mas não posso te tirar da sua gente.
Te amo ruivinha banguela.
Se cuida e lembra:
meu colo é macio,
trono de penas pra ti.
Bela cigana.
Olhar de paisagem
constante e antiga.

SINOPSE


TARABATARA

“Porquê é que eu nunca morei definitivamente num setor só? Porque eu me sinto mal. Me sinto mal com o ar de um lugar só.”
"Tarabatara" é um chamado ao cotidiano e aos encantos de uma família cigana do sertão de Alagoas. O documentário apreende momentos de um período de pausa no nomadismo desses ciganos. Na figura do mais velho e suas memórias, nas mulheres e crianças do grupo, com suas falas e gestos, com seus olhares e afazeres, no dedilhar do violão e na música de amor sertanejo revelado com força no canto e no olhar do cantor.

PRIMEIRO ENCONTRO-2005




Nosso primeiro contato com a família de Seu Francisco aconteceu em 2005 quando estávamos em Alagoas numa pesquisa para um fime de Gui César. Paramos em Senador Rui Palmeira e lá estavam as tendas dos ciganos. Fomos conversar e acabamos acampando junto com eles naquele noite. Desde então, o sonho era voltar e fazer um documentário, morar com eles o tempo que fosse possível. As fotos são desse primeiro encontro.

JULIA ZAKIA (com Seu Francisco)

LAURA MANSUR

GUILE MARTINS

GUILHERME CESAR

EQUIPE

Direção, Fotografia e câmera, Montagem: JULIA ZAKIA
Assistência de Direção, still, produção e câmera: LAURA MANSUR
Captação e edição de som, câmera: GUILE MARTINS
Produção: GUILHERME CÉSAR
Montagem: HÉLIO VILLELA
Produção Executiva: PATRICK LEBLANC
Mixagem: PEDRO SÉRGIO NOIZYMAN

Filmado em Carneiros-Alagoas- Brasil

DATAS


O projeto foi contemplado com o prêmio estímulo de curta-metragem no final de 2006.
GATO DO PARQUE (nosso grupo de trabalho e pesquisa em cinema e teatro) se uniu a produtora SUPERFILMES também no final de 2006, a fim de realizar o curta-metragem.
Entre Março e Maio de 2007 moramos e filmamos os ciganos da Família Ferraz em Carneiros- Alagoas.
Entre Junho e Setembro editamos a imagem, o som e finalizamos o curta.
A primeira exibição do curta foi em Carneiros-Alagoas, quando depois de quatro meses voltamos para o acampamento e numa tela improvisada na parede da igreja numa praça da cidade, mostramos o filme para os ciganos e para a comunidade sertaneja local. Era uma noite de lua cheia e fomos presenteados pelas risadas e comentários alegres de todos. Foi uma noite especial.
A segunda exibição do curta foi no começo de Outubro na Cinemateca Brasileira, numa sessão cheia de amigos e familiares.
A estréia oficial do filme aconteceu ontem, dia 25 de Novembro de 2007 no festival de Brasília, agora estamos liberados para mostrar esse filme do qual nos orgulhamos tanto, pela estrada à fora, como nos ensinaram os ciganos de sangue quente e forte.